Noivado em um só acto

Encontro para além da morte

A acção passa-se dentro na nave central do mosteiro de Alcobaça, no ano da graça de 1355, ano da morte del rei e Senhor D. Pedro. As personagens são três: narrador; Inês e D. Pedro.

Narrador:
Vai alta a lua! Na mansão da morte
Já meia-noite com vagar soou;
Que paz tranquila; dos vaivéns da sorte
Só tem descanso quem ali baixou.

Que paz tranquila!... mas eis que de repente
Funérea campa com fragor rangeu;
Branco fantasma semelhante a um monge,
D'entre os sepulcros a cabeça ergueu.
Ergueu-se, ergueu-se!... na amplidão celeste
Campeia a lua com sinistra luz;
O vento geme no feral cipreste,
O mocho pia na marmórea cruz.

Ergueu-se, ergueu-se!... com sombrio espanto
Olhou em roda... não achou ninguém...
Por os túmulos, arrastando o manto,
Com lentos passos caminhou além.

Chegando perto duma arcada,
De pedras alvas sem fim,
Parou, sentou-se e com a voz magoada
Os ecos tristes acordou assim:

D. Pedro:
"Mulher formosa, que adorei na vida,
"E que na tumba não cessei d'amar,
"Por que atraiçoas, desleal, mentida,
"O amor eterno que te ouvi jurar?

"Amor! engano que na campa finda,
"Que a morte despe da ilusão falaz:
"Quem d'entre os vivos se lembrara ainda
"Do pobre morto que na terra jaz?

"Abandonado neste túmulo repousa
"Há já três dias, e não vens aqui...
"Ai, quão pesada me tem sido a lousa
"Sobre este peito que bateu por ti!

"Ai, quão pesada me tem sido!"

Narrador:
E em meio,
A fronte exausta lhe pendeu na mão,
E entre soluços arrancou do seio
Fundo suspiro de cruel paixão.

D. Pedro:
"Talvez que rindo dos protestos nossos,
"Gozes com outro d'infernal prazer;
"E o olvido cobrirá meus ossos
"No frio túmulo sem vingança ter!

Inês:
– "Oh nunca, nunca!"
Narrador:
De saudade infinda
Responde um eco suspirando além...

Inês:
– "Oh nunca, nunca!"

Narrador:
Repetiu ainda
Formosa Inês vindo do além.
Cobrem-lhe as formas divinas, airosas,
Longas roupagens de nevada cor;
Singela c'roa de virgínias rosas
Lhe cerca a fronte dum mortal palor.

Inês:
"Não, não perdeste meu amor jurado:
"Vês este peito? reina a morte aqui...
"É já sem forças, ai de mim, gelado,
"Mas inda pulsa com amor por ti.
"Saudosa ao longe vês no céu a lua?

D. Pedro:
– "Oh vejo sim... recordação fatal!

Inês:
– "Foi à luz dela que jurei ser tua
"Durante a vida, e na mansão final.
"Oh vem! Meu amado eleito,
"Há já tanto que te espero enfim...
"Quero o repouso de teu frio leito,
"Quero-te unido para sempre a mim!"

Narrador:
E quando risonho despontava o dia,
Um tão grande amor renasce por fim
Pedro e Inês de mãos enlaçadas,
Lado a lado p’ra sempre e…FIM.

(Ao longe, um vulto envolto em luz surgia)

Texto adaptado de "Noivado do Sepulcro" de Soares de Passos

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