Noivado no Sepulcro

Pensando na descrição que encontrámos sobre o modo como o corpo de Inês foi trasladado para o mosteiro de Alcobaça e o possível beija.mão que D. Pedro terá exigido que fosse feito àquela que "Depois de morta foi rainha", entendemos imaginar um possível encontro entre os dois amantes no reino do Além.


Noivado no Sepulcro

Vai alta a lua! na mansão da morte
Já meia-noite com vagar soou;
Que paz tranquila; dos vaivéns da sorte
Só tem descanso quem ali baixou.

Que paz tranquila!... mas eis longe, ao longe
Funérea campa com fragor rangeu;
Branco fantasma semelhante a um monge,
Dentre os sepulcros a cabeça ergueu.

Ergueu-se, ergueu-se!... na amplidão celeste
Campeia a lua com sinistra luz;
O vento geme no feral cipreste,
O mocho pia na mormórea cruz.

Ergueu-se, ergueu-se!... com sombrio espanto
Olhou em roda... não achou ninguém...
Por ente as arcadas, arrastando o manto,
Com lentos passos caminhou além.

De repente
Parou, sentou-se com a voz magoada
Os ecos tristes acordou assim:

"Mulher formosa, que adorei na vida,
E que na tumba não cessei de amar,
Por que atraiçoas, desleal, mentida,
O amor eterno que te ouvi jurar?

Amor! engano que na campa finda,
Que a morte despe da ilusão falaz:
Quem dentre os vivos se lembrara ainda
Do pobre morto que na terra jaz?

Abandonado neste chão repousa
Há já três dias, e não vens aqui...
Ai, quão pesada me tem sido a lousa
Sobre este peito que bateu por ti!

Ai quão pesada me tem sido!"e em meio
A fronte exausta lhe pendeu na mão,
E entre soluços arrancou do seio
Fundo suspiro de cruel paixão.

"Talvez que rindo dos protestos nossos,
Gozes com outro d'infernal prazer;
E o olvido cobrirá meus ossos
Na fria tumba sem vingança ter!"

- "Ó nunca, nunca!" de saudade infinita,
Responde um eco suspirando além...
- "Ó nunca, nunca!" repetiu ainda
Formosa virgem que em seus braços tem.

Cobrem-lhe as formas divinais, airosas.
Longas roupagens de nevado cor;
Singela c'roa de virgíneas rosas
Lhe cerca a fronte dum mortal pavor.

"Não, não perdeste, meu amor jurado:
Vês este peito? reina a morte aqui...
É já sem forças, ai de mim, gelado,
Mas ainda pulsa com amor por ti.

Feliz que pude acompanhar-te ao fundo
Da sepultura, sucumbindo à dor:
Deixei a vida... que importava o mundo,
O mundo em trevas sem a luz do amor?

Saudosa ao longe vês no céu a lua?"
- "Ó vejo sim... recordação fatal"
- Foi à luz dela que jurei ser tua
Durante a vida, e na mansão final.

Ó vem! se nunca te cingi ao peito,
Hoje o sepulcro nos reúne enfim...
Quero o repouso do teu frio leito,
Quero-te unido para sempre a mim!"

Quero viver contigo agora,
O que não pude em vida,
Quero amar-te eternamente,
Minha amada querida.

(Adaptação do poema de Soares de Passos)

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